Confesso que ainda está a custar a entrar. Ainda estou à espera de chegar sexta-feira às 20h30 ao ensaio, sem atrasos (sim, porque temos 15 minutos de tolerância, e quem os ultrapassa, “escusa de ficar para tocar!”) e o ter lá, sentado no banquinho, já com aquele ar um bocado frágil, confesso, pronto para receber dois beijinhos meus e um cumprimento de qualquer outra pessoa que entre para o ensaio. Depois há-de me dizer “hoje o Humberto não vem, tens de te agarrar ao baixo…”, ao que eu vou reclamar e dizer “hoje também?” e ao que ele vai responder, com um encolher de ombros “desemerda-te!”. Lá hei-de pegar no baixo, e ir para o meu cantinho. Há-de chegar o Red River Rock, e ele há-de esperar que a minha introdução na guitarra esteja boa. Mas não está, nunca está. Então ele vai bater com as mãos nos joelhos num acto de frustração, mas não vai deixar a música adiantar enquanto não sair como deve de ser. Lá vou eu andar de volta daquela introdução, porque o solo corre-me sempre melhor, fora o fim. Quando ele notar, há-de encolher os ombros mas acenar com um “fixe” com a mão, para dizer que estive bem. E aí vou sentir-me orgulhosa da bela porcaria que apresentei. Entretanto havemos de tocar o A Night Like This, no qual o meu solo, também na guitarra, corre sempre melhor. E ele há-de sorrir e acenar com a cabeça como quem diz que estive bem, outra vez. No fim do ensaio, hei-de ir dar-lhe dois beijinhos para me despedir, e ele há-de resmungar, e dizer “oh Fia, no próximo ensaio faz favor de me trazer o Red River bem!”. Hei-de dizer que não tenho tido tempo para ensaiar e que nem tenho a guitarra em Coimbra, o que me impede de o fazer. Ele há-de encolher os ombros outra vez e esperar pelos meus dois beijinhos, eu hei-de lhos dar, e despedir-me com um “até logo”, porque já sei que hei-de acabar a minha noite em casa dele. E hei-de o ver ainda antes de ele se ir deitar. Para na próxima sexta-feira o processo se voltar a repetir.
Mas isto é a sério. Acho mesmo que ele ainda não se foi. Ainda não me entrou na cabeça que nunca mais o vou ver. Que nunca mais vou ouvir aquelas histórias que ele tanto gostava de contar, e que eu ouvia como uma criança a ouvir uma história de aventuras. Que nunca mais vou ver aquele sorriso maroto e aquele brilho nos olhos quando ele as contava. Que nunca mais o vou ouvir resmungar e ralhar comigo. Juro que até essa parte me custa.
Perdi um Maestro. Perdi um amigo. Ponte de Sor perdeu a música. A orquestra perdeu um pai.
Até sempre, Maestro. Obrigada pela paciência, pela música, pelas histórias, e por todo o resto.
Espalhe muita música aí seja onde estiver, que enquanto eu puder (e tanto quanto sei, a orquestra), vou espalhá-la cá por baixo, por si.
Gosto mesmo muito de si.